É desconhecido de muitos o passado sangrento e assassino da história portuguesa, nomeadamente o realizado não só com a conivência mas também com a motivação religiosa, no caso luso, do catolicismo e da imposição do cristianismo.
O que vou aqui relatar passou-se no dia 19 de Abril de 1506, num Domingo de Páscoa. O contexto social era marcado pela fome, miséria, seca e peste (elementos comuns à história humana no geral e portuguesa em concreto, apesar das imagens marcantes serem da grandeza e do luxo em que viviam Coroas, Nobreza, Alta Burguesia e até o Clero). A rota marítimo para a Índia e o reconhecimento do Brasil haviam sido conseguidas recentemente, ressurgindo o ego nacional além-fronteiras, mas mantendo-se as precariedades no rectângulo à beira-mar plantado. O aventurado, D.Manuel I, era Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia.
Vivia-se o início da Santa Inquisição, que deteve um papel fundamental na unificação de Espanha(1469) e da qual resultou a expulsão de entre 60 a 100 mil judeus de Espanha a partir de 1492, que se refugiaram em Portugal. Em 1497 e sob forte pressão espanhola iniciou-se a expulsão dos judeus do território português, promovendo-se a conversão dos apelidados de Cristãos Novos, acção feita com a supervisão dos Dominicanos (os mesmos que julgaram Galileu). Nesta altura os Judeus estavam proibidos de comer chouriços, inventando-se então as hoje tradicionais alheiras, enchidos de carne de aves e não de porco.
Voltando ao Domingo de Páscoa de 1506, a Corte havia partido para Abrantes para se refugiar da Peste (que no séc. XIV havia matado entre um terço e metade da população portuguesa, e que voltou até ao fim do séc.XVII, sempre que nasciam novos hóspedes não imunes). Fazia-se uma missa no Mosteiro de São Domingos em Lisboa onde se rezava pelo fim da seca e da peste que tomavam Portugal quando um presente jura ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado...MILAGREEEE!!! gritou-se...só podia ser um sinal de misericórdia do Messias!
É então que um cristão-novo presente na missa tentou explicar que era só um reflexo provocado pelo Sol. Resultado: foi espancado até à morte. Simbolicamente, estava encontrado o bode expiatório para toda a crise. Foram acusados de Deicídio: matar Deus. Iniciou-se então um dos muitos Progroms que aconteceram na Europa Católica: perseguição, massacre, tortura, violação e morte de homens, mulheres e crianças. Queimados vivos em fogueiras improvisadas. Em Lisboa, o Rossio serviu de palco para esta barbaridade que vitimou ex-judeus, mas também marinheiros estrangeiros que por ali estarem também eles eram acusados: HEREGES!
Só quando um escudeiro do Rei, João Rodrigues Mascarenhas(também ele um cristão-novo), foi assassinado é que as tropas reais chegaram a Lisboa e puseram cobro à situação. Os bens dos envolvidos foram confiscados e os Dominicanos envolvidos, que prometiam absolvição dos pecados cometidos nos últimos 100 dias para quem matasse os "hereges", foram condenados à morte.
O radicalismo cristão não parou de crescer estabelecendo-se em Portugal um Tribunal do Santo Ofício que durou quase 300 anos (de 1540 a 1821).
O Historiador contemporâneo Damião de Góis, acusado de ser luterano denunciou assim o Progrom de Lisboa:
«No mosteiro de São Domingos da dita cidade estava uma capela a que chamava de Jesus, e nela um crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que davam cor de milagre, com quanto os que na igreja se acharam julgavam ser o contrário dos quais um cristão-novo disse que lhe parecia uma candeia acesa que estava posta no lado da imagem de Jesus, o que ouvindo alguns homens baixos o tiraram pelos cabelos de arrasto para fora da igreja, e o mataram, e queimaram logo o corpo no Rossio. Ao qual alvoroço acudiu muito povo, a quem um frade fez uma pregação convocando-os contra os cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro, com um crucifixo nas mãos bradando, heresia, heresia, o que imprimiu tanto em muita gente estrangeira, popular, marinheiros de naus, que então vieram da Holanda, Zelândia, e outras partes, ali homens da terra, da mesma condição, e pouca qualidade, que juntos mais de quinhentos, começaram a matar todos os cristãos-novos que achavam pelas ruas, …tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres, e filhas, os lançavam de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até nos meninos, e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços, e esborrachando-os de arremesso nas paredes. …tornaram terça-feira este danados homens a prosseguir a sua crueza, mas não tanto quanto nos outros dias porque já não achavam quem matar, pois todos os cristãos-novos que escaparam desta tamanha fúria, serem postos a salvo por pessoas honradas, e piedosas que nisto trabalharam tudo o que neles foi.»
Li quase tudo o que aqui escrevi na Wikipédia, sendo as minhas fontes as mesmas que o referido site apresenta. Fiquei estupefacto ao saber disto, reforçando a minha ideia de quão sujo é o Passado Cristão. O Genocídio do Século XX tinha muitos antecedentes, este mesmo aqui à porta perpetuado pelos nossos antepassados.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Vociferemos!
Ora viva amigos, companheiros, camaradas e todos os que pretendam ler e contribuir para este meu novo blog. Há já algum tempo que ando a divulgar a minha intenção de criar um blog que assuma a forma de espaço de partilha e discussão de ideias sobre assuntos banais do quotidiano e também sobre assuntos existenciais, com destaque para corriqueirice e vitalidade, passando pela matéria e pela ideia. À motivação da criação de uma tertúlia multifacetada e que siga o caminho que os presentes entendam, surge a dificuldade do espaço físico e da limitação temporal, pelo que por aqui esses obstáculos serão facilmente ultrapassados, desde que haja vontade!Peço que se mantenha um nível mínimo em termos da comprovação do que é escrito, seja por links que comprovam o que se diz, seja por métodos mais taberneiros, como uma aposta...
Bem hajam
Bem hajam
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